A memória educa e forma a fé. A pessoa humana que responde ao chamado divino, que se sente vocacionada a conhecer e participar do mistério de Deus, coloca-se em atitude de diálogo, de comunicação. A fé será sempre uma disposição interior de resposta aos inúmeros chamados que Deus faz aos homens e mulheres de todos os tempos e lugares.
A solidez da fé depende de recordações, narrativas e celebrações dos fatos vividos e partilhados, que marcam a presença divina no cotidiano da vida. É por este motivo que a Bíblia é o livro por excelência da catequese. Nela estão contidos os fatos e obras que Deus realizou em favor do povo.
Por meio das narrativas bíblicas, que contam histórias de homens e mulheres de fé, podemos conhecer a História da Salvação. E, conhecendo o projeto de vida plena desejado por Deus, a catequese tem a função de fundamentar a fé explicitando que “o conjunto das obras realizadas por Deus ao longo da História da Salvação, com as obras e mensagens dos profetas, é Revelação de Deus, que em Jesus Cristo, em sua vida e palavra não só alcança o mais elevado grau, mas se constitui no critério absoluto da interpretação da história salvífica anterior” (Diretório Nacional de Catequese, 23).
A respeito da História da Salvação e da centralidade da Palavra de Deus, o Diretório Nacional de Catequese instrui que “a formação propriamente catecumenal, conforme a mais antiga tradição, realiza-se através da narração das experiências de Deus, particularmente da História da salvação mediante a catequese bíblica” (Diretório Nacional de Catequese, 47).
Com o fomento das reflexões sobre a catequese de inspiração catecumenal, é muito importante que os grupos de catequistas paroquiais, com apoio e iniciativas das coordenações e comissões responsáveis, invistam em sua formação bíblica para que, no ato catequético de educação da fé, possam despertar o coração humano para o encontro pessoal com Deus ao longo da vida pessoal e da história coletiva.
Eis o desafio de uma catequese centrada no conteúdo e com finalidade unicamente nos sacramentos que deseja renovar seus paradigmas e evoluir para a catequese de inspiração catecumenal, que tem por objetivo formar discípulos missionários de Jesus Cristo, a partir dos ensinamentos das narrativas bíblicas. Isto é, “a catequese não prepara para este ou aquele sacramento. O sacramento é uma consequência de uma adesão à proposta do Reino, vivida na Igreja” (Diretório Nacional de Catequese, 50).
Sendo assim, podemos considerar que a fé é um produto de imagens, fatos e narrativas que fazem homens e mulheres, de todos os tempos e lugares, serem capazes de cultivar (no ato de prestar culto) a amizade com Deus, origem e destino da vida. A catequese de inspiração catecumenal age como modeladora da fé, para que as pessoas sejam capazes de responder com generosidade ao convite do Criador de realizarem o projeto do Reino no agora de suas vidas.
Como a catequese de inspiração catecumenal pode fazer memória da fé ao longo da história?
De modo genérico e bastante sucinto, com objetivo estritamente catequético, seguem cinco etapas da História da Salvação que merecem dedicação e estudo posteriores. Aqui, servem de pistas e suporte para o aprofundamento da formação bíblica de catequistas, em suas comunidades locais, paroquiais e diocesana.
1.A Criação. A História da Salvação se fundamenta no ato generoso e amoroso de Deus que cria o mundo e, com amor paterno, deixa preparado o ninho no qual abriga, alimenta, afaga e vê crescer seus filhos e filhas. O mundo é bom. É fruto do amor divino. Muito embora os homens e mulheres, mergulhados no egoísmo e no imediatismo, prolongam a ação do pecado até nossos dias, a catequese tem seu início no anúncio do amor de Deus que está no início de todas as coisas.
2.A Promessa e a Aliança. A História da Salvação continua na preparação para a vinda do Messias (o Enviado). Esta preparação conta com a promessa de terra, descendência e paz para o povo eleito. Por muito tempo, peregrino nos desertos da mesquinhez humana, Deus mesmo renova sua promessa por meio de alianças com Patriarcas e Matriarcas, Juízes, Reis e Rainhas, Profetas e Profetizas. A História da Salvação conta com a ação de homens e mulheres que sempre alimentaram a memória de um Deus bom, generoso e zeloso com a vida.
3.A Encarnação. A realização da promessa de Deus se concretiza em Jesus de Nazaré, homem da Galileia, educado nas Sinagogas. O Emanuel (Deus conosco) e a sua vida, gestos e ensinamentos correspondem ao centro da História da Salvação. Com os olhos fixos em Jesus Cristo é possível interpretar e entender a vontade de Deus nos tempos anteriores à Encarnação. Do mesmo modo, a partir de Jesus Cristo, homens e mulheres encontram a referência e modelo para pautar suas vidas.
4.A Comunidade. A História da Salvação tem continuidade no núcleo da fé de uma pequena comunidade que alimentou a coragem e a memória de seguirem o Crucificado-Ressuscitado. A Comunidade corresponde à Igreja (eclesiologia) que tem a missão de anunciar o Evangelho (evangelizar) e continuar a obra de salvação divina por meio de sinais visíveis (sacramentos). Os relatos bíblicos dão o tom e as características de como as comunidades se organizaram para que a memória da fé na ressurreição chegasse aos nossos dias.
5.A Esperança. O destino da História da Salvação encaminha os cristãos para uma expectativa comum, envolvida de esperança: a Parusia (a manifestação gloriosa do Cristo Senhor). A escatologia (as últimas realidades) cristã ensina que a fé nos conduz para uma realidade de consolo, conversão e maturidade, tendo como referência o amor de Cristo como medida para o nosso amor cotidiano, o que vem a ser a condição para os batizados ingressarem no abraço misericordioso do Pai, Senhor da vida, o Criador.
Em vista disso, a catequese de inspiração catecumenal tem ainda um bom trajeto de estudos e formação para conseguir alcançar o desafio de converter as atuais estruturas de “cursos” para os sacramentos para o “percurso” de aderir ao chamado e seguir de perto o jeito de ser e agir de Jesus Cristo.
As narrativas para explicitar a fé estão na Palavra de Deus. O sabor do seguimento missionário é reservado à Liturgia. Dela bebemos e comemos para que não pereça nossa memória de filhos e filhas de Deus.
Ariél Philippi Machado
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