A experiência de encontro do ser humano com o amor de Deus é o fio condutor de toda a Bíblia. Mesmo com as tantas imagens de Deus que foram reveladas no Antigo Testamento, a plenitude do modo de Deus agir é conhecida na pessoa de Jesus Cristo. Seu jeito de acolher, conversar e dar novo sentido às situações concretas das pessoas de seu tempo é, para nós, o desafio a ser encarado em nossas atividades pastorais para que novamente o Senhor encontre e revele para nós a sua face amorosa.
A Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, realizada em 2017, aprovou o Documento 107, cujo tema e reflexão se dá em torno da Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários. Deste documento, tiramos uma inspiração para o presente diálogo: “O evangelho não mudou, mas mudaram os interlocutores. Mudaram os valores, os modelos, as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje. Jesus nos convida a sair, a escutar, a servir, em um movimento de transformação missionária de nossa Igreja. Essa atitude exige estarmos atentos aos sinais dos tempos. O processo é de escuta e atenção aos clamores do povo” (CNBB, Doc. 107, 51).
Estamos diante de um apelo: fazer da iniciação à vida cristã um modelo de atitude pastoral para revelar o amor de Deus narrado nas páginas dos evangelhos. Mas, de onde partir? Qual o nosso referencial teórico-prático?
A Bíblia é o livro por excelência da catequese. A inspiração catecumenal recupera, com toda a força, a função pedagógica das Sagradas Escrituras como fonte de educação da fé. A catequese que tem como base e ponto de partida os textos bíblicos e a leitura orante como método de acesso, torna presente o mistério do amor de Deus, que zela por seu povo eleito e o defende.
Nosso referencial teórico, portanto, é a centralidade da Palavra de Deus, presente em nossas escolas de formação, orações de conselhos, pastorais e movimentos, inspiração de nossas ações pastorais e promoções paroquiais. E como referência prática, a Bíblia nos ensina que a educação da fé é fruto de uma narrativa, de geração em geração, que faz superar modelos de catequese embasados unicamente na doutrinação e memorização.
A fé é fruto de uma memória histórica do amor de Deus em favor de seu povo.
Nas palavras de Dom Clóvis Frainer: “Este é o sentido da Bíblia: a ação de Deus vem continuamente manifesta num crescendo maravilhoso até a perfeição absoluta e total da obra no término glorioso da História da Salvação. [...] é uma história de amor, onde Deus trabalha pedagógica e ordenadamente. [...] O ponto central de coesão e movimentação de toda a História da Salvação é o Cristo-Evento. É ele o maior acontecimento de toda a história. Por isso, qualquer página da Bíblia ou qualquer fato devem ser atingidos pelo clarão dessa ‘luz verdadeira, que, vinda ao mundo, ilumina todo homem’ (Jo 1,9) (FRAINER, 1977, p. 19).
Para nossa ação evangelizadora, ficam estes três elementos de propositivos para a busca da centralidade da Palavra de Deus:
- a) a escuta e atenção aos clamores do povo: disponibilidade e sensibilidade do Espírito de Deus, que nos educa, nos defende e nos recorda e nos recorda todas as coisas (Jo 14,23);
- b) a leitura orante da Palavra: método para alimentar nossa espiritualidade bíblica e nossa intimidade com as narrativas onde Deus se mostra presente, favorável e disposto a nos falar ao coração (Os 2,16);
- c) a centralidade da Bíblia nos encontros e na catequese: coragem e vontade de superar a catequese de destino sacramentalista para uma nova atitude de encantar-se e testemunhar o encantamento pelo Deus da vida, que encontra nossa miséria e faz novas todas as coisas (Ap 21,5).
Folheando os textos bíblicos, entraremos em contato com diversos modelos de catequese narrativa, um elemento rico de significado para a transmissão da fé, a ser redescoberto em nossas estratégias de catequese.
A memória educa e forma a fé.
Ariél Philippi Machado
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