"...Pois é neste dia 15 de
janeiro queria ter uma prosa cheia de coisas boas, mas isso dependeria de uma
maneira de ver o mundo cor de rosa, deixo isso para os publicitários. Por outro
do, quando me propus a prosear com você através da Rádio Vida Nova FM todas as
semanas, o fiz pensando em ficar próximo de você, não com objetivos de fama, lucro
ou sei lá o que... Pensava justamente em dar voz aos sentimentos de gente
simples como eu, que nasci na roça e fui criado na rua do Pito. Gente que tem
enfrentado tantos desgovernos pela vida, mas ainda consegue se orgulhar de
coisas aparentemente desvalorizadas como honestidade, ética, fidelidade,
educação e respeito. Também sou acometido, como vocÊ e muita gente, por
sentimentos de revolta contra tudo e sou levado a me sentir um zero a esquerda,
que nada vale a pena... Por isso recorro hoje a textos históricos e célebres.
Começo com parte de um discurso de Rui Barbosa, em Sessão do Senado Federal no
RJ, em 1914: (abre aspas ) “A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o
bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que
vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na
estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade,
promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob
todas as suas formas.
De tanto ver triunfar as nulidades
, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem
chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
( ...) Cem anos se
passaram... e como diríamos em uma certa peça teatral do Movimento dos Sem
Teatro, que apresentamos há cerca de 12 anos, “você dirá que as coisas mudaram?
Mudaram coisa nenhuma, as coisas são as mesmas de ontem, no hoje” Algo de novo
há sim, mas não o suficiente para nos fazer deixar de lado o sentimento de que como
seres humanos, temos sido nada mais que zeros a esquerda...
Vamos agora para outro
trecho de discurso, agora do senado já em Brasília: ( abre aspas) “Pátria foi um palavra abominada, como democracia foi
durante muito tempo. Eu tenho até um discurso sobre as palavras esquecidas.
Sinto o Brasil num estado de calamidade, calamidade total, absoluta, todos os
setores, e não temos uma outra saída se não uma representação política capaz de
reorientar a vida deste país. É quase que algo milagroso, é como se eu tivesse
falando coisas messiânicas, mas é assim mesmo que está vivendo hoje o
brasileiro, não é de outro modo que ele está vivendo hoje, não. Se alguém ainda
hoje vai para uma urna votar, vai, sobretudo, tocado deste sentimento
messiânico, da existência de uma mudança que ele não concebe, como não dá para
concretizar exatamente, não sabe ainda porque exatamente aquele voto vai ter
alguma valia. Mas ele vai votar, o brasileiro vai votar. Vai definir a vida
desse país no dia 15 de Novembro, de que maneira? Vamos descobrir. Com tanta
corrupção, com tanta fraude, ainda assim vamos sobreviver. Essa é a minha
esperança que o povo vote, e que procurem não apenas aqueles homens que lhe são
chegados, mas aqueles que podem representar a nação. E a nação vai ser
representada desde a Câmara dos Vereadores - é o vereador, o prefeito, a
Assembleia Legislativa, é o governador, o deputado federal, é o senador...” ( )
Isso foi dito nos idos de
1982, dias antes de se despedir do senado federal por causa de uma doença, pelo
senador Teotônio Vilela. Aposto que você chegou a pensar que o discurso era dos
dias atuais e não de 33 anos atrás, quando os brasileiros nem podiam votar para
escolher um presidente da república. E talvez tenha sido esta a principal
mudança entre aquilo o que Teotônio Vilela podia sentia naquele momento e o que
sentimos hoje. Já disse que não gosto de generalizar as coisas, nem sentir
noites escuras chegando...
Por mais que tenha visto
triunfar a desonra e a injustiça... por mais que presencie lambanças e uso dos
poderes municipais para benefício próprio, como diria Rui Barbosa, penso como
Teotônio Vilela, que ainda assim vamos sobreviver. E não tenho vergonha de ser
honesto, nem de não compactuar com a ganância de quem faz tudo pelo poder. Meu
coração de poeta, mesmo no meio de uma prosa insiste em dizer que sou feito de
carne, osso e esperança. Não falo da esperança messiânica de que alguém virá
nos salvar... Chapolins Colorados não existem, meu caro. Minha esperança é moldada todos os dias
como se molda um ferro em brasa. Com insistentes marteladas diárias. Seja
honesto, seja ético, tenha respeito, tenha fé, não se deixe levar pelas
facilidades, seja ético, resista, não usufrua de nada alheio, seja honesto,
respeite a coisa pública, seja honesto, não faça aos outros o que não gostaria
que fizessem a você, seja ético, seja autêntico, insista, não desonre sua
família, tenha fé, não se omita diante de uma injustiça, seja honesto, cumpra
seus deveres de cidadão, seja ético, exija seus direitos, nunca pare de lutar,
martele, martele...
Minha esperança não me vem
de graça, como uma benesse às custas do erário, ou de passar os outros pra
trás... nem de repente, como um prêmio da loteria da vida. Ela não se traduz em
números, nem em riqueza ou acúmulo de bens. Ela é moldada assim no calor do
fogo da realidade e na dor das pancadas diárias (do pagar impostos e não
receber os serviços públicos adequados), na luta de minha família, dos meus
vizinhos e da minha cidade inteira. Minha esperança é forjada justamente na dor
e na tristeza, que pode durar toda a noite mas vem sempre com um novo
amanhecer. Ela brota quando vejo entre milhares algum jovem triunfando sem nunca
abandonar os bons ensinamentos que recebeu. Ela floresce em minha alma quando
vejo jovens de 14 anos se negando a seguir posicionamentos da mídia, por mais
massificados que sejam... Isso não tem
preço e nunca vai acabar. Mesmo que 500 mil estudantes tenham tirado zero na
redação do ENEM, os 250 que tiveram nota máxima simbolizam minha esperança. Mesmo
que momentaneamente os maus triunfem. Que as ruas estejam sujas e esburacadas a
despeito das fontes luminosas. Mesmo que o hospital nem tenha material para
atender os pacientes, a despeito de uma construção de farmácia central
paralisada há anos.
Mesmo que nós,
apesar de tanto calor e sol escaldante, não possamos ver as coisas claramente...
Vou insistir, em procurar me livrar das viseiras que tentam me guiar para onde
não é meu lugar. Só queria ter você, é, você aí mesmo, desse mesmo jeito, neste
exato lugar em que você está, só queria ter você como companhia nessa empreitada de
não desistir nunca e insistir sempre, martelando e construindo nossa esperança,
seja lá em que circunstância for. Nem massa de manobra, nem gado, nem ovelhas
num curral eleitoral. Não sejamos nada do os poderosos querem que a gente seja.
Nós podemos muito, nós podemos mais. Esse tempo vai passar!
Parafraseando Gonzaguinha, há quem fale que a esperança da gente
é um nada no mundo. É uma gota, é um tempo, que nem dá um segundo... Há quem
fale que ela é um divino mistério profundo. É o sopro do criador, numa atitude
repleta de amor...
É! A esperança que temos mesmo sofrida, esmilinguida, e
magricela como a graúna do Henfil... ela faz com que eu também prefira a pureza
das respostas das crianças de que a vida
é bonita, é bonita e é bonita...
Até a próxima esperança,
digo, próxima prosa! Aquele abraço!"
Evandro Alvarenga
Trecho da crônica Do programa "Dedo de Prosa" da Rádio Vida Nova /FM em 15/01/15
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