23 de janeiro de 2020

Catequese e Liturgia (III)

O Diretório Nacional de Catequese e a interação Catequese-Liturgia 
O documento 84 da CNBB, Diretório Nacional de Catequese, dedicou vários números ao tema da Catequese e Liturgia, sempre reafirmando a mútua dependência dessas duas dimensões da ação pastoral da Igreja. Considera, primeiramente,  a Liturgia como fonte da catequese, e cita a proclamação da Palavra, a homilia, as orações, os ritos sacramentais, a vivência do ano litúrgico e as festas como momentos de educação e crescimento na fé (cf. DNC 118). Sem titubear, afirma que “os autênticos itinerários catequéticos são aqueles que incluem em seu processo o momento celebrativo como componente essencial da experiência religiosa cristã” (idem). 
Logo a seguir, o Diretório insiste na catequese litúrgica, dizendo que “é tarefa fundamental da catequese iniciar eficazmente os catecúmenos e catequizandos nos sinais litúrgicos e através deles introduzi-los no mistério pascal” (120). Assim sendo, aponta como missão da Catequese preparar o cristão aos sacramentos e o ajudar a vivenciá-los através das orações, gestos e sinais, silêncio, contemplação, presença de Maria e dos santos, escuta da Palavra, etc (cf.120).
Interação: um desafio a ser assumido 
É um grande desafio, para todos nós, resgatarmos a relação de interdependência entre a Catequese e a Liturgia. Não é possível permitir que se mantenham, em nossas comunidades, tensões graves entre as duas dimensões. Faz-se necessário e urgente o desenvolvimento de um processo de integração, colaboração mútua, diálogo franco e construtivo entre catequistas e agentes da pastoral litúrgica. Não se trata de uma relação opcional ou de considerar uma ou outra dimensão como apêndice, mas de se perceber o quanto uma se esvazia sem a outra. O Diretório Nacional da Catequese reforça essa idéia ao afirmar que “É tarefa da catequese introduzir no significado e participação ativa, interna e externa, consciente, plena e frutuosa dos mistérios (sacramentos), celebrações, sinais, símbolos, ritos, orações e outras formas litúrgicas. Além do mais, a liturgia, por sua própria natureza, possui uma dimensão catequética. A catequese deve ser realizada em harmonia com o ano litúrgico” (DNC 53b).
Celebrar a Catequese 
É importante repensarmos nossa prática no que se refere ao modo como celebramos nos encontros catequéticos, como lidamos com a dimensão do simbólico, especialmente com os sinais litúrgicos...Realmente celebramos? ou somente inserimos orações como anexos pouco importantes em nossos encontros? 
Não é raro de se ver catequistas que garantem que rezam NA catequese porque “puxam” uma oração  ou um canto no início ou no final do encontro catequético, mas não são capazes de celebrar A catequese, o processo de crescimento na fé, o dia-a-dia da vida dos catequizandos. Ensinam orações, mas não os educam para a atitude orante e celebrativa. Falam da oração e da liturgia, mas desconhecem a missão iniciática da catequese, isto é, ainda não entenderam que a catequese precisa iniciar os catequizandos à riqueza da liturgia, nas suas mais variadas formas e meios de celebrar a vida e a fé. 
Pe. Vanildo de Paiva
É autor de "Catequese e Liturgia: duas faces do mesmo Mistério" - Ed. Paulus

Catequese e Liturgia (II)

1. O Concílio Vaticano II e a catequese
O Concílio Vaticano II não tratou especificamente da Catequese, mas o pouco que disse foi suficiente para iluminar sua caminhada até os dias atuais. O Decreto sobre a atividade missionária da Igreja, Ad Gentes, ressalta o grande valor da catequese na ação pastoral, dizendo: “o ofício dos catequistas assume máxima importância em nossos dias (...) diante da tarefa de evangelizar tantas multidões”... (17,914). Já o Decreto Christus Dominus, sobre a ação pastoral dos bispos, pede aos pastores: “Preocupem-se com a instrução catequética, que tem por fim tornar viva, explícita e operosa a fé ilustrada pela doutrina, seja administrada com diligente cuidado quer às crianças e adolescentes, quer aos jovens e mesmo adultos (...). Esta instrução se baseie na Sagrada Escritura, na Tradição, na Liturgia, no Magistério e na vida da Igreja” (14,1043). Em se tratando da necessária interação entre catequese e Liturgia, foi a Declaração sobre a Educação Cristã, intitulada Gravissimum Educationis, que mais claramente definiu o objetivo da catequese, ao afirmar que ela “ilumina e fortifica a fé, nutre a vida segundo o espírito de Cristo, leva a uma participação consciente e ativa no mistério litúrgico e desperta para a atividade apostólica” (4,1509).
2. Catequese Hoje
O papa João Paulo II escreveu um importante documento sobre a catequese, chamado Catechesi Tradendae, no qual afirma:  "A catequese está intrinsecamente ligada com toda a ação litúrgica e sacramental, porque é nos Sacramentos, e sobretudo na Eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para a transformação dos homens. (...) A catequese leva necessariamente aos sacramentos da fé. Por outro lado, uma autêntica prática dos Sacramentos tem forçosamente um aspecto catequético. Por outras palavras, a vida sacramental se empobrece e bem depressa se torna um ritualismo oco, se ela não estiver fundada num conhecimento sério do que significam os sacramentos. E a catequese intelectualiza-se, se não haurir vida numa prática sacramental" (CT 23). 
3. O Documento Catequese Renovada
Mas o grande marco na dimensão catequética, para nós, brasileiros, foi o documento 26 da CNBB, Catequese Renovada (CR). Seu impacto mudou a rota da caminhada da catequese, além de influenciar profundamente outras dimensões da pastoral da Igreja, tal foi o seu alcance. Dois números desse documento merecem destaque por refletirem a importante interação entre Catequese e Liturgia. No número 89 se lê: “Não só pela riqueza de seu conteúdo bíblico, mas pela sua natureza de síntese e cume de toda a vida cristã, a Liturgia é fonte inesgotável de Catequese. Nela se encontram a ação santificadora de Deus e a expressão orante da fé da comunidade.  As celebrações litúrgicas, com a riqueza de suas palavras e ações, mensagens e sinais, podem ser consideradas uma “catequese em ato”. Mas, por sua vez, para serem bem compreendidas e participadas, as celebrações litúrgicas ou sacramentais exigem uma catequese de preparação ou iniciação”. E o número posterior acrescenta: “A Liturgia, com sua peculiar organização do tempo (domingos, períodos litúrgicos como Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, etc) pode e deve ser ocasião privilegiada de catequese, abrindo novas perspectivas para o crescimento da fé,  através das orações, reflexão, imitação dos santos, e descoberta não só intelectual, mas também sensível e estética dos valores e das expressões da vida cristã”  (CR 90). 
Pe. Vanildo Paiva
Mestre Psicologia e Professor de Liturgia e Catequese no curso de Especialização em Catequética da PUC-Minas e Regional Leste 2

Catequese e Liturgia: Duas faces do mesmo mistério (I)

1. Um documento sobre Liturgia
Um dos documentos mais importantes do Concílio Vaticano II chama-se Sacrossanto Concílio (SC). Trata da Liturgia e foi a primeira Constituição a ser aprovada, praticamente por unanimidade, o que mostrou a urgência de mudanças nesse setor da ação da Igreja. 
O ponto de partida está no resgate da centralidade do Mistério Pascal na ação litúrgica e sua prioridade sobre as exterioridades dos rituais e cerimônias. Em outras palavras, Jesus Cristo é recolocado como o centro de toda a vida cristã – e, por isso mesmo, da Liturgia - e como eixo da ação da Igreja, povo de Deus. Ele é a razão de ser do culto e da vida de todo fiel. Com Cristo, por Cristo e em Cristo, tudo adquire novo significado. 
2. Celebrar os Sacramentos a partir de Jesus
Dessa visão cristocêntrica da Liturgia brota um sentido denso para a prática sacramental. Os sacramentos não podiam mais ser vistos simplesmente como remédios para situações emergenciais da vida do cristão, ou como mera conveniência social, mas como verdadeira participação da pessoa no Mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo, no qual ela também “morre e ressuscita” para uma vida nova. Infelizmente, muitos, ainda hoje, têm uma visão mágica dos sacramentos, o que denota uma deficiência na catequese de nosso povo. 
3. A participação de todo o povo
Outra grande conquista dessa Constituição foi a participação plena, consciente e ativa de todo o povo nas celebrações litúrgicas (cf. SC 14). Foi dado por encerrado o tempo em que o povo “assistia” à missa, rezava o terço ou lia o livrinho devocional de “seu” santo favorito durante a celebração. Incentivou-se uma valorização dos ministérios diversos na Liturgia e se permitiu que cada povo pudesse celebrar usando a sua própria língua e costumes, e não mais o latim. Também há, nesse aspecto, muito por fazer, e a formação da assembléia celebrante, seja na catequese ou na própria liturgia, ainda não foi suficiente para alcançar aquela consciência desejada pelo Concílio, embora tenhamos avançado bastante. 
4. O lugar da Palavra na vida cristã
A Palavra proclamada e explicada na Liturgia foi outro elemento que muito favoreceu esse resgate da tradição litúrgica. Não somente na celebração da missa, mas em todos os demais sacramentos, a Palavra constitui momento forte de aprofundamento da fé e de catequese do povo. Inclusive as celebrações da Palavra, permitidas e incentivadas pelo Concílio, vieram fortalecer a vida de tantas comunidades, muitas das quais não têm a oportunidade da presença do padre ou da Eucaristia. Vivem da Palavra de Deus! 
5. Liturgia: fonte e ápice da vida cristã
A Igreja voltou seu olhar para a Liturgia, apontando-a como ponto de partida e ponto de chegada de toda a vida cristã (cf. SC 10). Desse modo, ela recuperou o seu posto de fonte da espiritualidade da Igreja e de “catecismo permanente”. A valorização do que se celebra – os mistérios da vida de Cristo e da vida do cristão - encontrou ênfase sobre o aparato externo dos ritos, já saturados pelo formalismo, preocupação com rubricas, alfaias e objetos litúrgicos luxuosos... Uma Liturgia mais vivencial, a partir da realidade do povo e menos instrumentalizada, que introduza o povo celebrante no profundo Mistério de Deus foi a grande proposta do Concílio!

Pe. Vanildo Paiva
Professor da Especialização em Catequética da PUC-Minas e Regional Leste 2

A Celebração do Sacramento da Confirmação (Parte II)

A questão da idade da pessoa a ser crismada tem ocupado boa parte dos debates a respeito do sacramento da Crisma. Sabemos que este sacramento estava (e está!) intimamente ligado aos sacramentos do Batismo e da Eucaristia e eram ministrados de uma vez só, na celebração da Vigília Pascal, no tempo do Catecumenato (séc. I ao V d.C., aproximadamente). Constituem um bloco ao qual chamamos de Sacramentos da Iniciação Cristã. Historicamente, estes sacramentos foram se separando uns dos outros, ficando o batismo quase que somente para crianças recém-nascidas, a Eucaristia para aqueles que têm o “uso da razão” e o sacramento da Crisma até hoje não encontrou ainda o seu lugar, sendo ministrado ora a crianças, ora a adolescentes ou adultos. 
Atualmente ele coincide com a adolescência em quase todas as dioceses. No entanto, as mudanças do perfil do adolescente na sociedade pós-moderna, o fenômeno do “alargamento” dessa fase que  hoje começa muito cedo e se estende até acima dos vinte anos, bem como as constantes decepções dos catequistas com seus crismandos, têm despertado sérias reflexões. Se o sacramento da crisma é teologicamente definido como sacramento da maturidade cristã, se uma carga de responsabilidades e decisões pesam sobre o crismando, se ele é chamado a fazer uma opção de fé clara, consciente e definitiva pela construção do Reino de Deus no mundo onde vive, certamente essas exigências não poderão coincidir com o período tumultuado da adolescência, tempo de buscas, descobertas, experiências, indefinições!...
Por ser tão significativo na vida do cristão e pelo seu aspecto essencialmente comunitário, o sacramento da Crisma merece ser celebrado numa grande festa litúrgica, com a presença de maior número possível de cristãos. É muito preocupante uma tendência anti-comunitária que está virando modo em algumas comunidades que simplesmente “dispensam” o povo da Missa no dia da Crisma para que os jovens crismandos, pais e padrinhos se acomodem melhor dentro do templo! Soluções mais pastorais são urgentes, que realmente ressaltem o caráter eclesial, ministerial e comunitário desse Sacramento.
A presença do bispo, que preside a celebração - a não ser que ele delegue esse ofício a algum padre - é uma marca importante para a vida da comunidade e dos próprios crismandos. Ela visa manifestar a unidade do povo de Deus e a variedade dos serviços, na Igreja e no mundo. É o momento em que o pastor recorda aos seus filhos, em tom paternal e amigo, sua responsabilidade de construtores do Reino de Deus, sempre guiados pelo Espírito do Ressuscitado, origem da missão.
Para que esse contato, tão importante para o bispo e para seu povo, não seja somente decorativo, é necessário resolver o problema do grande número de crismandos concentrados numa só celebração. Celebrar com grupos menores, em suas próprias comunidades, demanda maior atenção e tempo do bispo, mas dá à celebração um caráter mais personalizado e familiar. A celebração flui com muito mais tranquilidade, sem aquele esquema quase mecânico e frio, muitas vezes percebido em Missas onde catequizandos, familiares e demais participantes se acotovelam para “assistirem” ao rito tão raro e tradicional na história das nossas comunidades.
Pe. Vanildo Paiva
Especialista em Catequese e Liturgia

A Celebração do Sacramentos da Confirmação (parte I)


O Sacramento da Confirmação ou Crisma é definido como sacramento da maturidade cristã ou confirmação dos compromissos batismais. Deveria coincidir com um estágio adiantado de consciência do “ser cristão” e das responsabilidades que são inerentes a ele. É um sacramento que impulsiona ao testemunho da fé no mundo, na sociedade, ao mesmo tempo em que o exige para a sua realização. A plenitude dos dons do Espírito não é dada somente para o crescimento pessoal do cristão, mas, e principalmente, para o serviço aos outros e a coerência com o projeto de Jesus. 
Como bem sabemos, esse sacramento nasceu integrado ao Batismo e à Eucaristia e só historicamente se separou deles. Como os demais, ele também sofreu um desgaste de compreensão, ficando, não raras vezes, bem deslocado do contexto sacramental e, especialmente, da vida do cristão.  Na prática atual, apesar de tantos esclarecimentos e conscientização, ainda muitos não compreendem seu significado, e ele acaba sendo equiparado a uma “Pós-graduação” na caminhada catequética, da qual a Primeira Eucaristia é “Formatura”.
Quando alguém pode ser crismado? Assim como afirmamos a respeito da Primeira Eucaristia, também o fazemos sobre a Crisma: o critério prioritário não é a idade, mas sim o grau de maturidade e compromisso do crismando com a vida cristã. O que acontece, no entanto, é que se criou uma quase obrigatoriedade de conferir esse sacramento a adolescentes que fizeram sua Primeira Eucaristia e permanecem na Catequese, quase que exclusivamente para a Crisma. O Diretório Nacional de Catequese, no número194, g, aponta o que se espera do catequizando em processo de formação catequética, principalmente da preparação para a Crisma: “amadurecimento da fé, vinculação com a Igreja particular, engajamento na comunidade, envio missionário, compromisso social e testemunho cristão”.
As consequências de uma Crisma só por tradição ou conveniência, nós as conhecemos muito bem. Quantas e quantas vezes catequistas se sentem frustrados por verem a total dispersão daquele número imenso de adolescentes crismados na comunidade! Simplesmente desaparecem das celebrações litúrgicas, muitas vezes até exigidas como condição para que sejam crismados. O número dos que perseveram em alguma atividade na Igreja é bem pequeno. Se, no dia-a-dia, derem um bom testemunho e assumirem verdadeiramente os valores aprendidos na catequese, ainda terão compensado tantos esforços e insistências de pais e catequistas! 
A situação exige mudanças efetivas e corajosas, sob risco de continuarmos um faz-de-conta, o que acaba desgastando todo mundo! Experiências positivas precisam ser mais divulgadas, já que alguns têm conseguido bons resultados com esquemas alternativos. Sobretudo, a questão merece um aprofundamento teológico e pastoral muito sério, a começar daqueles que lideram a caminhada da Igreja, desde os catequistas que, nas comunidades, se dedicam incansavelmente ao trabalho da educação na fé, até os não menos incansáveis bispos e padres. Enquanto o medo de “perder” jovens e um foco por demais sacramentalista se sobrepuserem ao verdadeiro significado da Crisma, continuaremos distantes de toda a riqueza teológica e vivencial desse importante sacramento. 
Pe. Vanildo Paiva
Especialista em Catequese e Liturgia